Endemismos
O cume do Monte Roraima é um ambiente difícil para qualquer organismo vivo.
As rochas são pobres em minerais assim como o solo é pobre em nutrientes (especialmente cálcio, fósforo e nitrogênio). A turfa é altamente ácida, consistindo principalmente de matéria em decomposição que se espalha diretamente no substrato rochoso do cume.
Com as chuvas todos os nutrientes são filtrados pela água e o solo é continuamente erodido por enchentes repentinas. Com isso algumas plantas têm que descobrir uma forma de suplementar sua dieta – apanhando e digerindo pequenos animais – assim como desenvolver estratégias para evitar a perda de água e se ancorar efetivamente no pouco substrato existente no cume.
Já os animais devem sobreviver em um ambiente com pouca comida e superar condições extremas de radiação e temperatura.

Por da lua cheia no Monte Kukenan
Plantas primitivas
Samambaias são as mais antigas das plantas da Terra, tendo origem há cerca de 400 milhões de anos. Nos profundos vales do Roraima se acumulam terra e rochas suficientes para sustentar densas florestas pré-históricas, Cyathea sp (Cyatheaceae) que atingem 4 metros. Junto com as samambaias crescem muitas outras plantas primitivas, como Cycads, Lomaria sp, plantas em forma de cone originárias a 120 milhões de anos.

Samambaias no Hotel Coati, um dos, senão o maior “hotel” do monte. Hotel é como são chamadas as cavernas onde são feitos os acampamentos.
Características de algumas das plantas que ocorrem no cume que foram fotografadas:
Heliamphora nutens (Sarraceniaceae) – Planta carnívora endêmica dos Tepuis. Cresce em grandes aglomerações e em lugares úmidos. Suas folhas em forma de jarro coletam a água da chuva que aprisiona os insetos que se afogam e são digeridos.
Brochinnia reducta (Bromeliaceae) – Bromélia carnívora facilmente reconhecida pelas folhas que formam um longo tubo que coleta água. Sua brilhante cor verde amarelada atrai os insetos que caem no tubo e são digeridos por células especiais do revestimento das folhas.
Stegolepis guianensis (Rapataceae) – Gênero endêmico dos Tepuis com várias espécies, esta família é também representada na África, sugerindo uma ligação antiga com o mega continente de Gondwana. Uma planta reconhecida por suas folhas brilhantes e um longo caule que sustenta uma pontiaguda flor amarela.
Orectanthe sceptrum (Xyridaceae) – Essa planta é abundante no cume, e pelo que se sabe existe somente no Planalto das Guianas. Reconhecida por suas folhas duras e acinzentadas em forma de roseta que lembram um abacaxi, e um caule pequeno que sustenta uma flor amarela.
Drosera roraimae (Droseraceae) – Planta carnívora de vermelho brilhante e de tamanho minúsculo que cresce em áreas úmidas. Suas folhas crescem acima do nível d’água e possuem tentáculos que aprisionam pequenos insetos.
Existem centenas de espécies de Droseras pelo mundo, sendo que 7 somente nos Tepuis.
Os Índios, suas lendas e costumes
A caminhada para o monte começa na aldeia Paraytepui, habitada pelos índios Pémons que dependem do trabalho como guias e carregadores para subsistência.
Possuem uma relação de profundo respeito pela montanha, morada de seus deuses e guardiões, não permitindo ou ficando bastante incomodados caso os visitantes gritem ou joguem pedras pelas encostas ou nos lagos, cursos d’água do Monte.
Segundo suas tradições (o Monte é onde repousam os espíritos dos pajés que quando morrem penetram na terra se transformando em cristais) esse comportamento provoca a sua ira que em troca enviam a chuva.
Pude presenciar essa relação deles com o monte pelo índio que me guiou até o Lago Gladys (que tem esse nome em homenagem a um lago citado no livro o Mundo Perdido) e as proximidades da Proa, o Bráulio, que em toda a caminhada se manteve em silêncio, e ao chegar ao lago, me deixou com o guia da agência no local e sumiu em meio à neblina como uma das entidades que habitam o monte, de forma silenciosa e misteriosa.

Lago Gladys, ao fundo está os labirintos, uma das áreas mais inexploradas do Monte e onde estão as maiores formações rochosas do cume, alcançando a altura de 45m. Segundo o Bráulio, são necessárias 9 horas de caminhada para atravessá-los.
Tornou a aparecer quando o guia o chamou, surgindo entre a neblina, calado, cabisbaixo, e nos levou até as proximidades da Proa, que não alcançamos pelas condições climáticas – um denso nevoeiro que reduzia a visibilidade a poucos metros.

O Monte tem uma área de 34km², a sua travessia no sentido sul/norte é uma caminhada de 14 km.
Além do clima resolvemos não arriscar também por segurança, teríamos que ultrapassar um pequeno lance, uns 4 metros, onde era necessário escalar, mas que estava extremamente escorregadio pela alta umidade nessa face do monte que por estar ao norte, recebe a umidade do mar e da floresta, condição que a deixa praticamente encoberta
durante todo o ano.
Nenhuma vida vale a vaidade de se chegar a um determinado local, e além das condições citadas acima, uma das únicas frases que o Bráulio disse durante a caminhada me marcou e fez desistir de ir até a proa, mesmo com o guia querendo ir até lá de qualquer jeito, ele disse com os olhos tristes e a voz baixa:
No quiero, tengo miedo!
Após ouvir e sentir toda a emoção que essa frase carregava, peguei minha mochila, e comuniquei aos dois que a melhor coisa que devíamos fazer era voltar para o acampamento.
Por respeito à vida e as tradições não deveríamos prosseguir, os deuses não nos queriam ali nesse momento.
Os índios conhecem o Monte também como a “Mãe das Águas”, lugar de nascentes de rios e grandes cachoeiras. Para eles, se a água é o sangue do planeta, então o Monte Roraima é o coração.

Rio Tok e Monte Kukenan

Os carregadores têm um limite de 15 kg de carga, sendo que alguns para ganhar mais, chegam a levar o dobro disso. Nesse caso, Bráulio e Antônio estavam levando material de acampamento e suprimentos para 8 pessoas (incluindo eles) que iriam ficar de 5 a 8 dias no Monte.

Bráulio na volta do Monte, já no 7º dia da excursão, com seus pertences pessoais
Por outro lado eles têm o costume de colocar fogo na savana na época seca. Originalmente esse costume era uma forma de celebração após uma caçada bem sucedida, assim como também usado como método de “controle ambiental” – como forma de preparar o solo para a plantação de batata, feijão, mandioca e para matar as cascavéis que tem a savana como habitat.

Ermita de Santa Maria de Tokwono e Montes Kukenan e Roraima
Infelizmente essas queimadas quando fora de controle causam a destruição de grandes áreas, como a que em 1925 chegou às encostas do monte alcançando as proximidades da rampa que dá acesso ao cume.
Esqueletos de algumas árvores que existiam antes desse grande incêndio podem ser vistas na trilha em muitas áreas.

Marco Tríplice, que define a fronteira entre o Brasil, Venezuela e Guiana. Aproximadamente 80% da área do Monte está na Venezuela, cabendo ao Brasil e a Guiana cerca de 10% cada um, sendo que a Venezuela não reconhece a fronteira com a Guiana,reclamando uma revisão dos limites. Devido a essa questão, as inscrições no lado guianense do marco foram retiradas, só restando a do lado brasileiro e venezuelano.
O Monte Roraima que se tornou conhecido do mundo somente no final do século XIX pelas palavras do escritor inglês Arthur Conan Doyle no livro O Mundo Perdido, é um lugar mágico, sagrado para os índios que tem uma relação de profundo respeito pela montanha e fascinante para todos que o visitam, que ficam enfeitiçados pelas histórias contadas pelos indígenas e principalmente pelas belezas que a natureza com seu infinito poder de transformação pode criar.

Nascer do sol no Monte Kukenan
Assim como o personagem do livro o Mundo Perdido que citei no texto que dá início a esse relato, que jurou registrar suas impressões em tinta e papel da sua visita ao Monte fica aqui o meu registro em tinta, papel, alma e coração da visita a um dos locais mais espetaculares do planeta, o Monte Roraima.

Flávio Varricchio
Referências bibliográficas
Map of Mount Roraima by Emilio Pérez & Adrian Warren
O Mundo Perdido, Arthur Conan Doyle, Editora Nova Alexandria Ltda., página 123
Revista Os Caminhos da Terra, Editora Azul, página 43, Edição 39, julho de 1995
Agradecimentos
A agência de ecoturismo New Frontiers Adventure pela excelente estrutura, representada nessa foto pelo guia Luiz Hernandez

Luiz Hernandez no ponto mais alto do Monte Roraima, conhecido como El Carro ou Maverick
Ao carregador Bráulio pela ajuda e estórias, a Carla Dadda Roque pela companhia e superação e a todos que contribuíram na realização de mais esse sonho, deixo o meu muito obrigado e um até breve…
Flávio parabéns pelo excelente trabalho. Também fotografo natureza e só quem faz isso sabe as reais dificuldades do trabalho. Excelentes fotos, seu timing é perfeito e seu olho treinado. Da pra ver que esperou bastante tempo para fazer algumas fotos….
Realmente um excelente trabalho.!
Muito lindo… meu sonho é um dia conhecer este lugar e contemplar toda esta beleza de preto…
Flavio, muito legal todo o seu trabalho sobre o Monte Roraima. Estou exatamente neste momento em Boa Vista a trabalho e quis reler o seu artigo uma vez mais. Parabens pelas fotos..estao muito boas! Deve ter sido uma experiencia incrivel. Espero um dia tambem poder
fazer o mesmo.
Abs
Eduardo
Parabens…., belo lugar , otimo trabalho, tudo perfeito…!! Um lugar magico e abençoado ! Vamos preserva lo . Fikei fascinado, estou com muita vontade de conhecer . Abraços a todos , Feliz Natal e muitas realizaçoes… !
Flavio, parabéns pelas fotos (maravilhosas !) e pela narrativa da expedição ao Monte Roraima. Compartilho de sua idéia de que devemos respeitar as pessoas, seus costumes e regras nos locais onde visitamos.Ter sensibilidade. Conhecer o Monte Roraima é um sonho para mim ! Gosto de conhecer lugares em que a Natureza se mostra em toda sua grandiosidade. Estive na Patagônia e me encantei pelos Glaciares, pelas montanhas (em especial, o El Chaltén/Fitz Roy) e o Campo de Hielo. Sou apenas viajante. Tudo de bom para você e que surjam muitas viagens maravilhosas ao longo de sua Vida!
Obrigado Vinisius, Fernanda, Eduardo, Fabio e Marcia pelos comentários.
Consigo passar de forma mais autêntica minhas impressões de viagem por meio de imagens do que de palavras, é mais fácil para mim passar o sentimento do que é estar nos lugares pelas fotos.
Meus textos acabam sendo mais voltados para o lado técnico, sendo que os que transportam melhor o leitor para os locais são os poéticos,os que relatam as peculiaridades dos locais visitados atraindo a atenção pela emoção das experiências vivenciadas.
Fico feliz que tenham gostado apesar das minhas limitações literárias e agradeço o retorno de vcs,
obrigado.
Tenho a impressão que isto é um sonho…..
Flávio, tive a feliz surpresa de receber seu link e nele matar a saudade imensa desse monte que povoa meus pensamentos, minhas lembranças e tudo que há de bom na minha vida desde que fui lá. Também já fiz a viagem duas vezes e tal como você ainda vivo em estado de encantamento. Suas fotos são lindas, seu relato sobre o Leo é fiel ao que sinto, sua visão do monte é maravilhosa. =) Foi ótimo ler!
Paula
legal que tenha gostado, o monte é uma montanha diferente realmente,não só geologicamente e biologicamente, mas emocionalmente ele mexe muito com a gente .
ele encanta quem se deixa levar pelas suas histórias e lendas, e o Leo é o guia perfeito para nos apresentar o que considero a sua segunda casa, já que ele não simplesmente vai para a montanha, ele a vive intensamente.
quando será a terceira vez no monte?
já que como diz Paulo Coelho:
Tudo que acontece uma vez poderá nunca mais acontecer, mas tudo o que acontece duas vezes, certamente acontecera uma terceira.
em breve as próximas partes do relato
Miriam,
um sonho bem possível e que vale muito ser realizado.
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