Tocllaraju
Já com o Junior e ainda em Huaraz, nossa realidade era outra. Nosso grupo tinha diminuído e os planos, mudado.
Conversando com os montanhistas locais e com o Nicolau que já estava em sua sexta temporada no Perú, percebemos que a Quebrada Ishinca seria nosso próximo destino.
Na noite que antecedia nossa saída, a Nuria praticamente não dormiu, com uma infecção intestinal e por esse motivo gastamos mais alguns dias em Huaraz.
Finalmente saímos de Huaraz. Mais uma vez, o taxi passaria cedo na minha moradia, desta vez com destino ao povoado de Pashpa, onde negociaríamos as Mulas.
Primeiro Crux do Andinismo, negociar com essa galera sem querer enforcar um. É impressionante como esses caras enrolam os gringos e eu com essa “caroça” de gringo, tentava ser passado para trás direto, tinha que bater boca com os caras, pra não ser enrolado e dificilmente eles jogavam limpo com a gente. Fora hora ou outra, que fazíamos um amigo quando eles descobriam que a gente era do Brasil mas, sempre muito desconfiados.
Bom, deixando de lado os conflitos culturais e voltando ao montanhismo, tínhamos uma caminhada bem tranqüila ate a Quebrada Ishinca, saindo de Pashpa, mas a Nuria ainda dava sinais de fraqueza.
Enquanto eu carregava as mulas com os equipos, o casal saiu bem na frente.
Preparando as mulas.
Fui acompanhando as mulas e nossa arriera, uma cholita de uns 150 centímetros que parecia uma pulguinha correndo, rapidamente alcançamos os dois e ainda fiquei esperando 1 hora por eles na Quebrada. Certamente a Nuria ainda não estava bem.
Passando pela Nuria com destino à Quebrada Ishinca
No dia seguinte iríamos os 3 para o Ishinca, uma montanha fácil que a Nuria subiria tranqüilamente com a gente, porem nos primeiros metros de caminhada ela se sentiu mal e teve que voltar.
Continuávamos caminhando, não tínhamos acordado muito cedo. Então, tivemos bastante luz por toda a caminhada e isso ajudou na orientação e a encontrar o trepe do Glaciar.
MAS……. sempre tem um MAS… Trepamos pelo lado errado da montanha. A escalada MUITO fácil, se é que podemos chamar de escalada, é pelo lado direito e trepamos pelo lado esquerdo da montanha.
O Ishinca
Bem que eu tava estranhando. Eu tinha lido e visto umas fotos bem diferentes de onde estávamos passando…. estávamos em uma passagem por gretas… penitentes imensos… fez-me até lembrar do Maparaju.
Foi chegando ao cume e olhando pro outra lado da montanha, que confirmamos que estávamos errado. Fiquei “aburrido” ao ver como o outro lado era tão fácil e o pior é que eu tinha deixado um par de coisas no inicio do glaciar, ou seja, teríamos que voltar pelo mesmo caminho.
Junior chegando no cume do Ishinca.
Descendo. Pequenos penitentes próximo ao cume.
O que não mata, fortalece. Talvez não tivéssemos programado gastar toda aquele energia, mas valeu.
O dia seguinte foi dia de descanso, comer, tomar chá e jogar UNO.
Já descansados, a próxima etapa seria acampar no Campo Morena do Tocllaraju. Uma caminhada toca pra cima nuns blocos soltos.
Por sair tarde, quando chegamos lá, o acampamento onde as pessoas normalmente ficam, já estava ocupado e tivemos que buscar alternativas. Isso foi ótimo; encontramos uma laje de pedra perfeita e distante do burburinho dos grupos guiados.
Nosso acampamento no Morena.
O tempo já montava uma cara feita antes de anoitecer.
O despertador toca e não foi difícil sair da barraca, não fazia tanto frio e o vento soprava fraco. Mal sabíamos o perrengue que a gente ia passar.
O trepe no glaciar é evidente, mas se orientar nele é que é meio complicado, principalmente na escuridão e com o completo desconhecimento do terreno. E assim fomos buscando o caminho.
Chegamos no primeiro lance mais em pé da montanha, que ainda não podíamos chamar de escalada. Um trepa degrau alto mas, evidente e fácil.
Nesse momento, o vento começava a dar as caras e soprava cada vez mais forte. Chegamos praticamente juntos com um casal da Europa, ao lance mais técnico da montanha, um lance bem vertical que passa dos 70º , porém curto, que pede a utilização de uns dois parafusos.
Antes desse lance, o casal passou à nossa frente e tivemos que esperar ali algum pouco tempo, para os dois passarem e, agora sim, começamos a sentir bastante frio. Logo atrás da gente vinha um grupo de 4 pessoas mais o guia.
Já com luz em uma das passagens um pouco mais complicadas
O Toclaraju não é uma montanha dada e tem as suas dificuldades. Para fazer sem conhecer e ter que buscar o caminho, sempre dá um gostinho e uma dificuldade na escalada. Narrar todas as nossas passadas, buscas, perdidas e achadas, daria um livro que não é a proposta do AdventureZone.
Então vou resumir escrevendo que, além dessa passada vertical, existem mais dois momentos críticos na montanha: a travessia de umas gretas com uma ponte no meio, aonde merece uma segurança e na pirâmide final de uns 50 metros, com a inclinação bem próxima dos 60º.
Quando passamos o crux da montanha e antes do amanhecer, a coisa tava ficando perto do insuportável; minha bochecha quase congelando com a meleca e o suor que eu produzia, minha mão bem fria. Só meu pé que não reclamava muito. Eu estava só de gorro, a Head (Tubo de Tecido) e o windstoper. Tive que parar para por a balaclava e o pluma, cobrindo a cabeça e ficando mais quentinho. Nesse momento, meu capacete quase sai voando e a mochila idem.
Passando as gretas e chegando à pirâmide, a luz deu as caras e o frio já não atormentava tanto, apesar de ainda sentir muito frio.
Rampa da Pirâmide.
Caminhada final para o cume.
O vento forte era constante e completava com rajadas, que chegavam fácil aos 80km/h. Nossa sorte foi que o vento vinha do outro lado da montanha e estávamos protegidos por uma aresta. Já com luz em abundância, iniciamos a caminhada final pro cume; uns 80, 90 metros de caminhada por uma crista, com o vento quase jogando a gente no chão, o céu carregadaço, o tempo ficando cada vez mais cabulo e mais uma vez cume….
Tocllaraju: 6032 metros.
Vento muito forte no cume.
Chegando no Base dei a viagem como sucesso total.
100% de aproveitamento, em todas as montanhas que entramos, saímos bem.
Fizemos muitos amigos e estreitamos laços antigos. Aprendemos muito também.
Cada vez que viajo e volto da montanha, percebo que aprendo mais de mim mesmo do que sobre os lugares por onde passei.
É difícil aprender com a facilidade, mas é fácil aprender com as dificuldades.
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por Arthur Estevez