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Cap.5 Cerro Solo em solitário

Na volta da De la S eu já estava conjecturando as possibilidades com o pouco de tempo que eu ainda tinha e com a disponibilidade de parceiros. Também tinha que programar uns diasinhos pra dar um refresco no Joelho.

Pra quem achava que ia voltar antes da hora por conta do joelho, a coisa toda já tinha rendido, até demais. Uma volta no Gelo Continental e duas Agulhas e tudo isso numa temporada horrível,  mas ainda me restavam alguns dias e eu tinha que aproveitar.

Visual do Glaciar Torre no fim de tarde

Seblen voltava pra casa logo depois de chegar da S, Gabi estava agarrada no trabalho de guia de turismo e rolava uma idéia de ir à Amy com a Kika, mas o tornozelo (ou calcanhar, não lembro direito) dela seguia doido e um pouco inchado, ela já tinha acabado com minha idéia de escalar, pois estava com medo de força e tinha que estar com o pé bom para um trabalho que ia fazer no Chile.

“Putz será que eu vou ficar aqui olhando pra essas montanhas.????”

Na verdade já fazia uns dias que o Solo ficava me olhando …. e de certo, eu olhando pra ele…..

E tomei uma decisão…. Que tal o Solo em SOLO??????

Na manhã seguinte eu tava com minhas coisas arrumadas, a Kika veio dar um alou antes deu sair, ela vinha com uma cara meio de “você tem certeza??”.

Essa vinda da Kika foi ate boa, pois esse tipo de escalada sozinho é meio complicado, a gente tem que ter muita certeza do que ta fazendo. Cair em uma greta e não voltar pra casa não é muito difícil de acontecer.

Outra coisa boa da visita da Kika foi a bela idéia de não levar o baudrier. Eu tava colocando as coisas na mochila e eu comentei com ela, “Vou levar esse trambolho só pra cruzar a tirolesa” e o obvio tinha que vim de uma mente feminina, “Por que você não leva só uma fita e faz uma cadeirinha de fita, uma fita e um mosquetão já resolve!”.

Mas pra completar o peso eu levei o livro de 600 paginas. Afinal o peso não era tão problema já que eu ia caminhar apenas umas poucas horas até o Camping de Agostine.

 Programação: Primeiro dia Bivaque em Agostine, segundo dia tentativa de cume e terceiro dia volta a Chalten.

 Parti já com o horário avançado, sai as 4 da tarde e pelos cálculos as 6 eu já estaria bivacando. Mas…. sempre o mas….  no meio do caminho cruzo com o Pira (um local de Chalten) e o Campanela que estavam voltando da Claro de Luna. Ele bota uma pilha de não bivacar em Agostine e sim em um acampamento avançado já no inicio das canaletas de blocos.

Bivaque Avançado
 

De principio eu fiquei receoso, não sabia se daria tempo, se teria luz pra me orientar e achar o bivaque. Não queria ficar perturbando muito os caras, dava pra ver claramente o cansaço na cara dos dois, mas tinha que pegar alguns detalhes de como achar o bive e fui facilmente convencido pelo Pira.

Me despedi deles com uma frase do Pira… “Buena onda an……. Solo Solito”.

Agora quem tava andando calmamente iniciou uma corrida contra o tempo, não queria ter que ficar procurado bivaque na escuridão. Comecei a correr na trilha, passei pela tirolesa me jogando, uma galera que tava voltando do Glaciar ate me olhou meio estranho. Tipo: “Onde esse doido ta indo essa hora, nessa correria”.

E quando eu menos esperava já estava com tudo no esquema para o bivaque. Cheguei era umas 19:30, arrumei o chão, estiquei meu saco, fui pegar uma água pro rango e pro café da manha no dia seguinte e pude aproveitar da paz do silencio da montanha……

Essa foto ajuda achar o bivaque pra galera que for tentar a vista. Primeiro cruza o rio que você pode ver lá em baixo na foto (canto sup. direito), suba toda a vegetação. Pela margem direita do rio e quando acabar a vegetação você chega em uma aresta, suba pela canaleta da esquerda margeando o rio e vai chegar em dois platôs de areia. Chegou em casa

 

Desde a tirolesa eu não cruzava mais com ninguém, me parecia que estava ali sozinho.

Lembra do livro de 600 paginas?? 🙂 Então, agora era abrir o livro e esperar o sono vim.

Inicio da Noite no Bivaque

 

Acordei ainda no escuro, comi alguma coisa, guardei o equipo de Bivaque e as 5:30 iniciei meu dia na montanha.

Parecia estar em outra montanha, uma montanha completamente diferente daquela que estive no inicia da temporada. Já não tinha neve, o terreno era todo em blocos solto, uma morena interminável. Novamente tive que jogar com as canaletas e os blocos até chegar no glaciar perdendo algum tempo com isso.

Cheguei no glaciar já com luz, parei pra por as polainas e os crampons, pegar a piqueta e guardar a lanterna.

Iniciei meu caminho pela neve, mas logo vi umas gretas e a neve muito fofa me fez voltar para a pedra. Tinha que ter andando pela crista rochosa da direita desde o inicio e como estava na neve tive que fazer uns boulders bem altinhos de 5o grau de luvas e crampon e ainda pegando uns verglas. O que me consolava é que se caísse ia cair na neve 🙂 .

Terminando essa crista voltava a normalidade da via dentro do que eu tinha escutado em Chalten. Chegando nessa parte eu já tinha passado em muito o ponto de onde descemos no inicio da temporada em nossa primeira tentativa. Na base da “grande parede” eu voltei a neve e deveria ir para esquerda negociando com algumas gretas, que apesar de curtas, nada evidentes.

Essa foi tirada na descida, mas aqui você pode ver a Grande Parede onde inicia uma travessia para esquerda

 

Fazendo essa travessia chegava no ponto mais perigoso da escalada, eu teria que passar por duas crevasses e depois pegar uma rampa que eu não me arrisco em dizer a inclinação. Confesso que passei algum medo, me perguntava se aquilo era certo, se a neve não estaria muito fofa, se o dia não tava muito quente se…. se… se… E me lembrei de uma coisa que o Nicolau tinha falado lá em baixo “Maluco, quando você ta perto do cume… vai pro cume …depois você vê o que acontece.”

Forcei um pouco a barra numa neve nem fofa dura, nem seca nem molhada, deixo para os entendidos classificarem a neve, só sei que a coisa não tava muito boa não.

Terminando essa rampa mais em pé, vi um pico de rocha e pensei, “Pronto o CUME…”. Que nada, olhei pra direita e vi que tinha mais uma rampa de pouca inclinação. Dessa vez a cume estaria no fim dessa rampa. E mais uma vez eu quebro a cara.

Mas como o terreno estava plano, eu só poderia estar muito perto do cume e com a segurança do “positivo” dei um gás pra chegar logo no cume.

 FINALMENTE… Cume do Solo….

Foto de Cume

 

Eu podia jurar que durante o dia ia chegar alguma cordada pra dividir a montanha comigo, que eu não estaria só, mas eu me vi ali com a montanha todinha pra mim.

Era só eu e toda aquela neve e rocha, quando eu parei para olhar o visual vi que atrás de mim estavam o Fitz e o Torre dando sua benção à escalada.

O Cume do Solo com os dois monstros dando a Benção
 

Ao mesmo tempo que eu me via só naquele cume, eu sentia todas as pessoas que fizeram comigo a primeira tentativa, as pessoas que compartilharam comigo outra roubadas naquela temporada, as pessoas que passaram rápido, mas passaram deixando muita alegria.

Acho que foi uma escalada solitária mais bem acompanhada de todas…..

Por que é ISSO que vale a pena!!!!!!!!

Eu dividiria a escalada do Cerro Solo em 4 partes. Primeira: Não da para ver na foto, mas é a subida de uma grande canaleta com blocos e morena. Segunda: A subida pela Crista até a Grande Parede e isso você já pode ver na foto. Terceira: Travessia para esquerda, contornando a Grande Parede. Quarta: Travessia das crevasses, subida da parte mais vertical da via e o acesso pro cume

 

Sai de Chalten pensado num cronograma e fugi completamente dele. Uma da tarde eu já estava de volta no bivaque e um sol forte me fez descer pra Agostine. Cheguei em Agostive bem cedo, podia ficar ali, mas decidi tocar direto para Chalten.

É essa foi a temporada de 2010 em Chalten pra mim. Muita novidade, desanimo, animo, vacilos, acertos, medo, ousadia, vontade, persistência, companheirismo, risada e tudo que vale a pena na montanha.

p.s. Algum tempo depois que já estava no Rio fiquei sabendo que um guia profissional e um cliente caíram numa greta e se acidentaram feio. Se fosse eu que tivesse caído na greta provavelmente não teria voltado pra Chalten e muito menos estaria contando essas historias. Portanto, fiquem atentos.  
Arquivado em: Deuter, Escalada, Lorpen, Montanhismo, Princeton Tec, Sea to Summit, Suum, Viagem

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