Que o tempo passa rápido isto nós já sabemos e por isso temos que reforçar que aproveitar o momento presente é essencial! Foram mais de 3 meses programando a viagem, 10 dias nos Alpes, 4 dias na montanha e muitas boas recordações na mente que com certeza irão durar para sempre.
Cheguei dia 21 de agosto em Chamonix, um vilarejo aconchegante nos Alpes, encontrei o meu parceiro de escalada, o Hugh da Nova Zelândia, e juntos partimos em busca da nossa hospedagem em Argentière, outro vilarejo ao longo do vale. Para parte da preparação dessa viagem eu usei o Couchsurfing (http://www.couchsurfing.org) que para quem não conhece vale a pena fazer uma visita no site. Até o momento só tive boas experiências e pretendo viajar muito mais assim.
Deixamos as nossas coisas “na cabana”, nome dado ao lugar do nosso couch, que era literalmente uma cabana no meio do mato com uma vista linda para as montanhas. Um lugar único e com pessoas muito especiais. Bivacamos lá na primeira noite.
Em Chamonix buscamos reunir informações sobre a montanha para poder definir melhor a nossa logística e para a nossa surpresa os dias que havíamos previsto para subir não estavam nada bons. O clima não estava favorável e a queda de pedras no Grand Couloir, uma das partes mais críticas desta rota, estava constante e perigosa. Com essa nova e preciosa informação a pergunta era, e agora?
Acalmamos os pensamentos indo degustar a deliciosa culinária francesa e começamos a pensar em outras hipóteses. Mas todas as idéias eram muito vagas e como saber se não estiver lá? A única coisa que me vinha à mente era: precisamos primeiro estar perto da montanha para então sentir os próximos passos. Afinal, relembrando uma frase de um grande amigo, o Velho de Andradas: “só escala quem na montanha está.”. Então, vamos para lá!
Fomos atrás do aluguel de alguns equipamentos, compramos outros que faltavam, pegamos as nossas mochilas em Argentière e nos instalamosem Les Houches, o vilarejo mais próximo de onde começaríamos a escalar. Lá, ficamos em um camping bem próximo do teleférico du Bellevue ponto de partida para as investidas na montanha.
Primeira tentativa: totalmente de coração aberto para saber quando voltar, nos arrumamos pela manhã, compramos alguns lanches de trilha no mercado e pegamos o teleférico com a noticia de que apenas 4 montanhistas haviam subido para a montanha e fomos relembrados das quedas de pedras no Grand Couloir.
O dia estava quente e gastamos tempo e energia desnecessária caminhando por uma trilha até a estação do trem. O caminho era bonito, mas não fazia parte do nosso foco, se bem que foi bom para ajudar no processo de aclimatação, enfim, pode-se pegar um trem para poupar esta parte o que vale muito a pena se você pretende escalar o Mont Blanc.
Depois de seguir o trilho do trem após a estação há uma parte de pedras e foi por ali que o tempo começou a virar, muitas nuvens, uma leve neblina e chuva que durou um curto período, ainda bem! Pegando a próxima parte de pedras que eu gentilmente apelidei de “Cuesta Brava” – trecho de mesmo nome no sprint final antes de chegar ao acampamento base do Aconcagua – começou um vendaval que naquela intensidade eu só havia visto na Irlanda no topo de umas das colinas existentes por aqui. Era tão forte que tornou a nossa progressão lenta. Levamos cerca de 5 horas para chegar da estação do trem Nid d’Aigle (2372m) até o refúgio de Tetê Rousse (3167m).
No refugio, deixamos os equipamentos na sala reservada para isso, fizemos o check-in, jantamos e ficamos lá fora um pouco observando a montanha e recebendo suas vibrações. Vimos uma bruta queda de pedras na aresta esquerda da montanha e com as nuvens carregadas baixando sobre o topo encobrindo o próximo refugio ficou claro que não havia como prosseguir.
Sentamos no refeitório e juntos sincronizamos as nossas idéias e impressões sobre aquela investida. De fato voltaríamos dali para o vale na manhã seguinte, decisão que a maioria dos montanhistas que estavam no refúgio tomou, a melhor eu diria, pois a previsão do tempo para os próximos dias também não era nada promissora.
Despedimos-nos da montanha com a certeza de que estávamos fazendo a coisa certa e seguimos para Les Houches em mais ou menos 2h30min de descida até a estação do trem.
Tiramos dois dias de descanso sempre ligados na previsão do tempo e acompanhando o movimento das nuvens pelas montanhas dos Alpes. Choveu bastante durante a noite e a tendência era ir limpando o tempo. Enquanto isso continuamos na degustação da comida francesa, relaxamos e estudamos a possibilidade de voltar outra vez pelos dias 27 – 28 de agosto.
Segunda tentativa: melhoramos um pouco a logística e tentando a sorte no Refugio du Goûter pegamos novamente o teleférico du Bellevue, o trem até Nid d’Aigle e caminhamos por uma outra rota junto com mais vários montanhistas até chegar na “Cuesta Brava” que desta vez estava bem melhor de progredir visto que o tempo estava limpo, céu azul e uma leve brisa fria que parecia ser um bom sinal. Fizemos uma pausa maior antes de atravessar o glaciar que nos levaria ao Grand Couloir, almoçamos e observamos a montanha que agora estava com um pouco de neve.
Retomamos o fôlego e atravessamos o Grand Couloir o mais rápido possível, depois foram horas numa escalaminhada e via ferrata até o Refugio du Goûter à 3817m de altitude. No total foram cerca de 6 horas do trem até o refugio. Conseguimos 2 camas, jantamos e conhecemos outros montanhistas que também tentariam o cume naquela madrugada, dentre eles, um casal por volta de seus 50 -60 anos super dispostos, uma dupla de espanhóis sem muita experiência o que é comum de ver no Mont Blanc infelizmente.
Este é um tópico a ser refletido, pois o Mont Blanc não deixa de ser uma montanha que pode ser fatal como pudermos ver o acidente com a avalanche que matou várias pessoas em julho nesta temporada. Toda montanha merece respeito, humildade e muita consciência acima de tudo.
Após o jantar fizemos um tempo lá fora aproveitando os raios solares que ajudavam a aquecer um pouquinho, tiramos fotos e continuamos no processo de hidratação, importantíssimo para uma boa aclimatação. Por volta das 20h era como um toque de recolher e fomos descansar para a “cartada final” na madrugada.
Na altitude não é tão simples dormir bem, ainda mais quando se tem uma grande escalada pela frente. O processo de hidratação também te faz ir ao banheiro de horaem hora. Eo vento forte e contínuo lá fora me preocupava.
1h45min da manhã de 28 de agosto levantamos já quase prontos e fomos para o refeitório. Havia um trânsito de seres montanheses para cima e para baixo, se preparando para escalar, uns já subindo a montanha, outros como nós indo comer e assim por diante. Tomamos um balde de chocolate quente com bastante açúcar para energizar, comemos umas torradas e agilizamos os equipamentos para começar a subir.
Já lá fora prontos para nos encordar a corda nova embola e aí perdemos um tempão para desembolar, para o meu estresse cheguei a achar que aquilo poderia ser um sinal e até falei isso para o Hugh. Antes de subir confirmamos que qualquer insegurança maior voltaríamos e assim segui guiando a cordada sendo guiada pelos rastros das pegadas na neve formando o caminho.
A visão era fantástica! O céu estrelado, as luzes dos outros montanhistas sendo refletida através de suas lanternas de cabeça mostravam o quão imenso era a montanha. Olhando para baixo era possível ver as luzes dos vilarejos e por onde iluminava a minha lanterna de cabeça pelo gelo formavam pontos de brilho parecendo estrelas. Inesquecível!
O foco era no caminho marcado, na respiração e no som dos crampons e da piqueta sendo cravados na neve. Uma mistura de emoções e sensações marcou a subida sem fim do Aiguille du Goûter (3863m) e do Dôme du Goûter (4304m). A dupla de espanhóis veio atrás de nós tentando se adequar ao nosso ritmo, mas logo nos dispersamos quando enfim terminou o primeiro trecho de subidas e pudemos caminhar em uma leve descida e num imenso glaciar levemente plano que permitia relaxar um pouco as pernas.
O céu que antes estava estrelado agora estava nublado e o vento contínuo roubava o calor do meu corpo, não sei há quantas horas estávamos caminhando, mas sentia ser o momento de fazer uma parada para nos hidratar mais e comer algo. Mas parar onde estávamos não ia dar certo, pois era muito exposto e minhas mãos e pés estavam super gelados, eu os mexia para manter aquecido e o corpo tinha que permanecer em movimento.
Avistamos o Refuge Vallot (4362m) e nos esforçamos para chegar ali e descansar um pouco. Eram montanhistas entrando e saindo de um quadrado de metal no meio a montanha, lá dentro não era quente, mas pelo menos podíamos nos abrigar do vento. Comecei a piorar e a sentir muito frio, muito estranho, pois há alguns minutos atrás me sentia muito bem. Falei para o Hugh o que estava acontecendo e ele me abraçou para tentar me esquentar um pouco mais. A dupla de espanhóis chegou depois de um tempo e vi que um deles também não se sentia bem. Fui ao WC e vi o glaciar que ainda tínhamos que transpor para chegar no cume encoberto pelas nuvens, já estava amanhecendo e o sol não chegaria até nós nesta escalada. Sugeri que trocássemos as duplas e assim os dois que sentiam melhor poderiam continuar e eu e o outro espanhol voltaríamos para o Refugio du Goûter, para mim ali já estava bom demais, seria muito sofrimento continuar e aí não haveria por que prosseguir.
A escalada para mim é algo muito particular, não subo uma montanha para provar para ninguém aonde cheguei, aliás, dizer “eu cheguei” a algum lugar é muita pretensão do ego, pois neste mundo não realizamos nada sozinhos, está tudo interligado e existe todo um universo permitindo que as coisas aconteçam. Por isso estamos exatamente aonde deveríamos estar e vivemos exatamente o que devemos viver.
Os espanhóis concordaram, mas o Hugh ficou um pouco preocupado e não queria me deixar, eu disse que não haveria problema e que estava feliz por ele ter a chance de prosseguir. Só tenho a agradecer este parceiro que conheci, no demos muito bem a viagem toda e ele sempre comigo nas decisões eem tudo. Trocamosas duplas e dali cada um seguiu para um lado. Descendo, eu e Antonio, paramos para tirar fotos e contemplar aquela visão que é para poucos.
Estávamos num ritmo bom e muito contente por estar ali. Mais algumas paradas para foto, vídeo e contemplação e chegamos no refugio du Goûter. Nos desequipamos e fomos para o refeitório no qual eu pedi uma sopa para ajudar a me esquentar. Sentia-me bem cansada e mal conseguia segurar o pão para molhar na sopa, dei muita risada quando o deixei cair duas vezes da minha mão. Depois da sopa arrumei um canto na mesa e encontrei o casal que havíamos conhecido na janta do dia anterior, eles disseram também não ter conseguido chegar ao cume, pois estava muito frio e ela descreveu sensações muito parecidas com a minha, de cansaço e frio.
Cochilei e acordei com o Hugh me cutucando, ele disse também não ter ido até o final pelos mesmos fatores de frio e também por não ter se adaptado com a nova dupla que estava num ritmo lento demais e com muitas paradas. Não foi desta vez, mas garanto que valeu muito a pena ter chegado até onde cada um de nós chegou. Cada um atingiu o seu próprio cume naquele momento.
Mas ainda não acabou afinal o cume é apenas a metade do caminho. Eu e o Hugh ainda desceríamos tudo até chegar no vale, os espanhóis descansariam e fariam a descida no outro dia, o que parece uma boa opção visto que é muito cansativo toda essa escalada.
Eram 10h40min e o último trem para o vale era às 16h50min, acreditamos ter tempo suficiente, porém a descida se mostrou para mim um pesadelo! Desescalamos a via ferrata com cuidado, atravessamos o Grand Couloir, relaxamos uns minutinhos antes de descer a “Cuesta Brava” e meus pezinhos já pediam socorro depois de quase 12 horas de atividade, com algumas pausas é claro. O tempo foi mudando e a minha TPM provavelmente ajudou cada minuto a se tornar uma eternidade.
Conseguimos chegar na estação faltando 15 minutos para o trem chegar, ufa, desacreditei do esforço que fizemos para estar ali, refletindo sobre isso vi que independente da situação que enfrentamos na nossa vida, podemos até ter ajuda de alguém, porém só se muda uma situação por si mesmo, só se sai de uma situação com as suas próprias pernas.
Do trem para o teleférico e de lá para o camping. Agradecia a cada instante por estar ali! Entrei no saco de dormir e disse para o Hugh: “daqui eu só saio amanhã!”. Ele ainda foi até Chamonix devolver os equipamentos e na volta ele me surpreendeu com um presente dos deuses naquele momento: 2 deliciosas pizzas!!!! Que degustamos juntos com muita conversa e risadas relembrando os episódios na montanha.
No outro dia nos alimentamos bem, descansamos, resolvi mais algumas coisas relacionadas à minha volta, tentei fazer um passeio turístico no teleférico do Aiguille du Midi, mas o tempo virou mesmo e não deu para ir. Mais uma que ficou para a próxima, porém, Chamonix é um lugar que ainda quero voltar muitas e muitas outras vezes! Encontramos Tasseb, um francês que conheci pelo Couchsurfing e que me ajudou muito com informações dos Alpes, trocamos várias idéias interessantes uma verdadeira troca de culturas e experiências!
Fechamos com chave de ouro degustando um maravilhoso fondue de queijo com cogumelos e salada! Como a vida é bela!
Muito obrigada a todos que me acompanharam e acompanham, a jornada continua! Muitas energias positivas para todos e veremos onde será a próxima aventura!
Namastê!
Por Jus Prado
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