Quinto dia de Expedição e era dia de se mexer.

Dia de se Mexer????
Nosso primeiro porteo dos equipamentos sem mulas. A partir do Base (Plaza Argentina), temos que levar todas nossas coisas e normalmente isso é feito em duas investidas.
Primeiro levamos todo o equipamento de escalada e boa parte da comida deixando apenas o material de camping.
A montanha ainda estava branquinha, devido a neve acumulada com a nevada que deu durante a noite, vários grupos se adiantavam e eu me apressei para garantir um bom lugar de acampamento.
A caminhada até o Campo 1 é uma subida tranqüila, que toma de três a cinco horas. Escutei de um dos guias que essa caminhada é uma boa prova para você saber se está bem preparado para atacar o Glaciar dos Polacos. Se subir em até três horas e meia, é bem provável que não vai ter problemas físicos com a escalada.

Junior subindo ao Campo 1
E lá fui eu, liguei o turbo e fiz a caminhada em duas horas e quarenta minutos. Não cheguei a fadigar, mas subi muito rápido e ao voltar ao base senti uma dor de cabeça.
Junior chegou uma hora depois, subiu tranqüilo, tirando fotos e filmando, mas enquanto isso eu tava encarando um frio e um vento de doer os ossos. Peguei um pouco d’água em um rio congelado e tentei me abrigar atrás de uma muretinha de pedra, com um pouco mais de 50 centímetros.
Não parava de chegar gente e estavam ocupando todos os bons lugares. Eu tinha garantido nosso espaço, mas como o Junior não chegava, cheguei a cogitar em deixar a mochila para trás e descer. Faltando pouco para fazer isso, eis que aparece ele. Juntamos tudo em dois sacos de tecido e iniciamos nossa decida ao Campo Base.

Subida ao Campo 1. Centopéias Gigantes.
Rapidamente um grupo que veio para ficar e não encontraram um bom lugar, indagaram quanto tempo demoraríamos para voltar e logo iniciaram a montagem da barraca no nosso espaço. Naquele momento ventava muito e eu quase me prontifiquei a ajudar os caras, mas depois de ficar uma hora parado não via a hora de mexer meu corpo e iniciar a descida e em menos de uma hora e meia estávamos de volta ao Base.

Junior voltando ao Base
Sexto dia era dia de descanso no Base. A dor de cabeça do dia anterior ficava mais chata. A solução era tomar ainda mais água e isso é uma coisa muito chata, perdi a conta de quantos litros eu botei para dentro e para fora, só sei que foram inúmeras garrafas.
Decidi suspender a Aspirina que vinha tomando diariamente antes de dormir, nuca tinha feito isso e fui provar essa idéia após escutar no Peru que isso era bom para “afinar” o sangue. O problema é que quando você realmente precisa dela, ela não vai estar lá para te ajudar.
No fim da noite, tive que me render e tomar mais uma Aspirina para conseguir dormir. No sétimo dia voltamos ao Campo 1, mesmo com um tempo bem ruim e o vento forte. Estávamos voltando para ficar e levávamos todo resto das coisas e, por conseqüência, a mochila estava mais pesada. Subindo a montanha, parecia ver umas quatro centopéias gigantes e enfileiradas uma apos a outra e isso me fez pensar: “Quantas dessas pessoas realmente vão fazer cume?”.
Afastei esse pensamento da minha cabeça e segui fazendo o meu.
Dessa vez, tive que esperar o Junior para montar a barraca, já que o vento não me permitia fazer isso sozinho e mais uma vez fui castigado pelo vento. A barraca que montaram em nosso espaço não tinha sido retirada, por motivos óbvios, e tive que reconstruir uma mureta e um espaço para poder montar nossa barraca.
Quando o Junior chegou, ajudou-me a terminar com a mureta e a montar a barraca. Finalmente podíamos nos abrigar. O resto do dia foi de neve e muito vento, que nos fez ficar aninhados dentro da barraca. O oitavo dia foi um dia de descanso no Campo 1. Mesmo com vento, foi possível limpar umas cuecas e umas meias na parte da tarde, com a ajuda do sol.

Campo 1 com sol.
Detalhe interessante sobre o perfil de um montanhista: ele viaja com apenas duas cuecas e com mais de 10 pares de meia. Vai entender… rs.
Nesse dia eu também conheci melhor um guia peruano chamado Apu. Trocamos idéia sobre a via, contei para ele que tínhamos escalado o Toclaraju e varias outras montanhas no Peru que o deixou animadíssimo, nos deu varias dicas e também fez recomendações sobre minha bota, falou que era uma bota leve, mas que dependendo da velocidade da escalada e do clima, eu não teria problema.
No nono dia porteamos parte de nossas coisas ao Campo 2. A altura já estava cobrando o preço dela. A caminhada era uma subida de matar, com um desnível de quase mil metros, já que o Campo 2 fica a 5800. Inúmeras pessoas iniciavam a mesma caminhada que a gente, mas logo percebemos que quase a totalidade estava indo para o Campo 3, um acampamento que fica entre o 1 e o 2, mas no sentido da Rota Normal, conhecido também como Guanacos. Conosco só subia mais um grupo de seis pessoas que iriam tentar o cume pela Falso Polacos e que também deveriam acampar no Campo 2.

Caminhada ao Campo 2
E ficando de cara com o “monstro”. Chegando ao acampamento, fiquei de cara com o Monstro ….. meu monstro…. que quando eu cheguei aos pés dele, parecia ser menos assustador do que eu vinha pintando em minha cabeça. Cheguei a brincar com o Junior: “E ai doido … borá largar essas porcarias aqui e sair subindo???” Mas eu sabia que era um monstro, meu monstro e devia ser respeitado.
No décimo dia não tivemos descanso. Voltamos ao Campo 2 para ficar e finalmente saímos da confusão do campo 1. O Glaciar dos Polacos é uma face seletiva e, conseqüentemente, tinha menos pessoas. Nesse dia devia ter mais algumas poucas barracas, talvez mais uma ou duas. Montar a nossa barraca foi uma luta, uma luta com o vento e com o frio. Dormir essa noite foi duro devido ao frio. Era a primeira noite que eu estava fechando meu saco de dormir completamente. Talvez tenha fechado o saco no Base, mas sentir frio mesmo, de por mais uma camada de roupa, foi a primeira noite.
Décimo primeiro dia.
Antes de sair do Base, tínhamos visto o prognóstico e ele não estava bom para os próximos dias. Dia 8 era um dia que iria cair neve pela manhã. Nesse dia, eu entrei em contato com o Campo Base via radio e fiquei sabendo que o dia seguinte, o dia que tínhamos planejado para atacar o cume, tampouco estaria bom. Chegavam mais pessoas no Campo 2 e, apesar da nevada que caiu, o dia estava quente, dentro do possível, evidentemente. Boa parte dessa galera iria pegar a Travessia dos Polacos, inda a face noroeste em direção à rota normal, para acampar em Colera, mesmo caminho que iríamos pegar para descer do Cume e de volta ao campo 2.
A ansiedade nesse momento só aumentava …. ficar agarrado na barraca esperando a janela certa e o momento mais adequada para atacar o cume, é quase como uma tortura.
Você já não agüenta mais ficar com um fedorento dentro da barraca, tudo incomoda, e são nesses momentos que duplas e grupos dão problemas de desentendimento. Um simples “vai buscar água lá agora você!!”, pode se transformar em uma grande briga.

Coisas que a gente tem que aturar dentro de uma barraca 🙂
Também é nesse momento que diferenciamos uma dupla, de dois parceiros. Nessas escaladas que venho fazendo com o Junior, percebi que arrumei um parceiro; tem coisas das funções diárias que eu não gosto de fazer, ou que eu estou com preguiça naquele momento e o Junior vai lá e faz na boa, da mesma maneira que ele tem os momentos dele, e é dessa maneira que a gente vem dividindo, somando e se ajudando.

Matesito para ajudar a passar o tempo
No décimo segundo dia nevava MUITO, ficamos o dia inteiro dentro da barra, fiz apenas uma saída para buscar gelo em um lago congelado e logo tratei de voltar à barraca.
Nossa diversão nesse dia foi ver o montar e desmontar das barracas que insistiam em sair ou chegar ao Campo 2.

Galera guerreando com o vento. Uma luta dura.
Com a quantidade de neve que caia era evidente que o dia seguinte seria mais um dia de espera e torcíamos para parar de nevar, ventar muito, fazer bastante frio a noite e sol na manhã seguinte.
E assim foi. No décimo terceiro dia, dez de janeiro, acordamos com um sol que reanimava a vida, feito um desfibrilador. Voltamos a entrar em contato com Plaza Argentina em busca do prognóstico e ele veio confirmando que essa seria nossa noite.


Barraca dos vizinhos com neve pela metade e isso que já estávamos na metade do dia
O ataque ao cume estava confirmado para o dia onze e teria que ser dia onze, pois nossa comida já estava se esgotando e ficamos tempo demasiado a quase seis mil metros.
Dia 11…………………….
🙂